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Soteropolitana e turismóloga. Escrevo sobre viagens da forma que considero justa, sem maquiagem, e acredito nas palavras que caracterizam o turismo como um "instrumento de paz, bem-estar e entendimento entre os povos".

domingo, 12 de setembro de 2010

Arriva il Palio!


Os cavalos fazem parte da lenda da fundação de Siena e da origem de sua bandeira. São animais amados pelo povo senese. Um senese jamais comeria carne de cavalo, e é proibido seu uso como animal de carga – apenas em práticas esportivas. São eles os protagonistas da maior festa da cidade - e uma das mais importantes de toda a Itália - o Palio. Essa famosa corrida de cavalos de Siena remonta ao século XVI, porém, somente no século XVIII, passou a ser organizada da forma como se conhece hoje. Nesta competição, disputam 10 das 17 contradas da cidade. Destas 10, 7 são as que não disputaram no ano anterior. As outras 3 são sorteadas.

O Palio ocorre duas vezes ao ano: 2 de julho e 16 de agosto. O primeiro é dedicado a Santa Maria di Provenzano. O segundo, a Santa Maria Assunta. Antigamente, a corrida se realizava nas ruas do centro histórico. Hoje, o cenário é a Piazza del Campo. A corrida acontece ao redor da piazza e pode ser assistida das arquibancadas (que custam em torno de 200 euros por pessoa) ou do meio da praça, grátis. São 4 dias de festa. O primeiro evento é o sorteio dos cavalos na Piazza del Campo. Os proprietários dos cavalos que correm durante o Palio não são pagos por isto: para eles, é uma honra que seus cavalos possam participar do Palio. Nos dias que antecedem a corrida, ocorrem 5 provas na praça, e a mais bonita é a Prova Generale, que acontece na véspera do grande dia. Após esta prova, cada contrada realiza um jantar especial (evento de difícil acesso a turistas). No dia do Palio, cada cavalo recebe a benção na igreja da sua contrada. Mais tarde, ocorre o cortejo histórico e, finalmente, a corrida. Vale a pena assistir a alguma das provas para compreender como funciona o Palio, especialmente quando se decide vê-lo do meio da praça – no dia da corrida, a multidão na piazza pode impedir que se tenha uma boa visão do evento.

O cortejo histórico é tão emocionante quanto a corrida. É um belíssimo espetáculo em que centenas de pessoas de todas as contradas (mesmo as que não participam do Palio naquele ano), fantasiadas em estilo medieval, desfilam pela Piazza del Campo, com seus tambores e cantos. As fantasias são deslumbrantes, muito bem elaboradas e confeccionadas a cada, em média, 25 anos. A melodia do Palio é a mesma para todas as contradas, apenas a letra é adaptada.

Os cavalos dão três voltas na praça e a corrida não leva mais de 2 minutos. A contradição do Palio é que os "fantini" - como são chamados os jóqueis - não são de Siena. A maioria é da Sardegna, pois os sardi são normalmente pequenos e, portanto, leves e adequados para correr o Palio. Eles são contratados pelas contradas e, por serem de fora, são facilmente corruptíveis. Acontece frequentemente de uma contrada pagar uma boa quantia aos fantini para que eles não vençam a corrida. É um paradoxo que o fantino seja alheio a toda a emoção do Palio e à paixão dos sieneses. É interessante observar também que o cavalo é o herói do evento - se o fantino cair do cavalo, o animal, ainda assim, poderá vencer a corrida.

Após o resultado, a contrada vencedora faz o agradecimento na igreja à qual é dedicado o Palio, desfila pelo centro histórico e festeja por toda a noite no seu bairro. Excepcionalmente nessa ocasião, o museu da contrada é aberto e a entrada é livre. Mas a festa não acaba aí: a contrada que vence festeja o ano inteiro, até a chegada do Palio do ano seguinte.

A paixão dos sieneses por suas contradas é contagiante e faz com que se mantenham vivas as tradições do passado. As festas de contrada, o Palio, as canções, nada é espetáculo para turistas. Os sieneses não ganham dinheiro com o Palio, pelo contrário, eles gastam – e muito! O único auxílio da prefeitura é referente à montagem da estrutura da praça. Tudo é bancado pelos contradaioli: os jantares, as festas, o pagamento do fantino e o veterinário que, durante os dias que antecedem o Palio, acompanha o cavalo (cada contrada contrata um veterinário disponível 24 horas durante 4 dias). Certamente, os turistas que vem ao Palio trazem dinheiro a Siena, mas não é este o objetivo do evento. Nós, turistas, somos meros figurantes. Esta é a festa deles.

Le contrade di Siena


Os bairros tradicionais da cidade de Siena são chamados contradas. Mas a palavra "bairro" não define em sua totalidade o significado de uma contrada. Ela é mais que isso: é uma identidade. Pertencer a uma contrada para os sieneses é como pertencer a um time de futebol para os brasileiros – ou melhor, é como torcer pelo Brasil na Copa do Mundo. Diferente de um esporte, em que cada um escolhe seu time, é o nascimento que define a contrada dos sieneses. Se a pessoa nasce em determinada contrada, ela pertencerá a vida inteira àquela contrada, independente da contrada de seus pais ou seus irmãos. Os sieneses costumam ter duas famílias: aquela de sangue e os amigos da contrada. A contrada é uma comunidade onde todos se cuidam, se ajudam e se respeitam. Desde pequenos, eles aprendem a valorizá-la e amá-la, e ajudam nas tarefas da contrada. Cada contrada é como uma instituição: tem a sua bandeira, sua própria igreja, seu museu e uma certa independência.

As contradas disputam anualmente o Palio (corrida de cavalos que acontece em Siena) e, semanas antes do evento, seus integrantes desfilam pelas ruas de Siena em clima de festa, com suas belas vestes peculiares. Nesses domingos, acontecem os "batizados de contrada", que não tem relação alguma com um batizado religioso: são a confirmação de que a criança pertence a determinada contrada. Os pais, orgulhosos, desfilam com seus bebês nos carrinhos, atrás da banda e dos rapazes que tocam tambores e carregam a bandeira da contrada. Junto aos pais e às crianças, caminham os outros "contradaioli" (pessoas que pertencem àquela contrada). Todos amam a contrada (crianças, adolescentes, adultos e idosos) e cantam juntos sua canção.

Durante a semana do Palio, muitas famílias se separam para ajudar com as atividades de suas próprias contradas e - "dizem as más línguas" - acontece frequentemente de casais "pularem a cerca" nessa época do ano. Mas as atividades de contrada também trazem bons frutos: são uma ótima oportunidade de trabalho para os idosos e os aposentados, pois trabalho é o que não falta em uma contrada, durante o ano inteiro. Como os mais jovens nem sempre estão disponíveis, por conta de suas profissões, os mais velhos são sempre ativos na contrada. Talvez por isso os "velhinhos" de Siena sejam tão amorosos e pareçam tão felizes.

Siena, no passado, chegou a possuir 42 contradas. Hoje, restam apenas 17, quase todas com nomes de animais: Aquila (águia), Chiocciola (caracol), Pantera, Tartuca (tartaruga), Civetta (coruja), Leocorno (unicórnio), Giraffa, Istrice (porco-espinho), Drago (dragão), Lupa (loba), Oca (ganso), Bruco (lagarta), Montone (carneiro), Nicchio (concha de molusco), Torre, Selva e Onda.