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Soteropolitana e turismóloga. Escrevo sobre viagens da forma que considero justa, sem maquiagem, e acredito nas palavras que caracterizam o turismo como um "instrumento de paz, bem-estar e entendimento entre os povos".

sábado, 6 de março de 2010

International World Changers – Turismo social no Subúrbio Ferroviário de Salvador

A área da capital baiana denominada “Subúrbio Ferroviário” é composta por 19 bairros populares e tem esse nome em decorrência do sistema de trens que os serve, partindo do bairro de Calçada até Paripe. O subúrbio “acolhe” em torno de 500 mil habitantes e é grande o número de pessoas que vivem em barracos ou sobre palafitas. Possui ainda um nível de escolaridade baixíssimo e destaca-se pelos elevados índices de mortalidade infantil e de homicídios. Para completar, é notável a carência nos ramos de saúde e infra-estrutura para a população.

O Subúrbio Ferroviário, entretanto, tem também seu lado positivo: as riquezas naturais e culturais que o compõem. O passeio de trem, desconhecido pelos turistas, utilizado praticamente para deslocamento dos habitantes da região, é rico em belíssimas paisagens da Baía de Todos os Santos, com praias paradisíacas de areia branca e águas tranqüilas, freqüentadas apenas por pescadores. Além disso, no trajeto são vistas ruínas de casarões ou fábricas que retratam a história de Salvador. Em Lobato, por exemplo - um dos bairros do percurso - foi descoberto o primeiro poço de petróleo do país.

Segundo os repórteres George Brito e Mariana Monteiro, no subúrbio pode-se “ver as marisqueiras catando siris na maré baixa, bater um papo com um senhor sentado no cais jogando dominó e, se sentir sede, é possível até beber um copo d´água, oferecido por um dos moradores.”. “Nas paradas é possível conhecer Salvador sem a ‘maquiagem’ dos pontos turísticos tradicionais. Aqui o visitante entra em contato com a vida real das pessoas.”.

É neste cenário que todo ano aparecem missionários religiosos norte-americanos que, com o objetivo de evangelizar a população carente desses bairros, terminam por conhecer a beleza e pobreza da região. Exemplo disto são os grupos da IWC – International World Changers (Transformadores Internacionais do Mundo), uma organização religiosa norte-americana que envia fiéis da Igreja Batista a outros países para pregarem suas crenças e fornecerem suporte a famílias carentes. Esse tipo de “turismo social” contribui, mesmo que em parcela pouco significativa, para o turismo na capital e a melhoria da qualidade de vida da população suburbana. Para o turismo - diretamente - os World Changers trazem recursos ao contratarem mão-de-obra, transporte e ao visitarem as lojas e pontos turísticos da cidade. De maneira mais profunda, contribuem também para atenuar a miséria do Subúrbio.

Em Salvador, os integrantes da IWC contam com o apoio da Igreja da Praia e da ONG Metamorfose. Visitam principalmente os bairros de Plataforma e Paripe. São jovens - em sua maioria - e adultos que se instalam num retiro no bairro de Plataforma, onde qualquer ser humano que curta uma bela vista, natureza e paz gostaria de estar. Eles vêm normalmente no período do inverno e se dividem em grupos para a realização de duas tarefas: pregar o Evangelho em escolas públicas e construir casas para famílias carentes. Para isto, contratam, a cada ano, em média 30 jovens intérpretes de Salvador, em geral não-profissionais. As casas são construídas pelos próprios americanos. Os integrantes da IWC já vêm com todo o material e o preparo para lidar com construção e para se apresentar nas escolas. São muito bem organizados e passam, ao todo (entre um grupo e outro que chega, de aproximadamente 70 americanos cada), um tempo estimado de um mês na capital baiana.

Nas escolas, trabalham com apresentações de fantoches, peças teatrais, palestras e testemunhos. Ao final de cada apresentação, pedem aos alunos que realmente tenham “aceito Jesus dentro de seu coração” que escrevam seus nomes numa lista. Esta lista será a de estudantes que receberão ajuda financeira dos World Changers e, possivelmente, obterão moradia digna, caso não a possuam.

Tendo se “convertido” ou não naqueles 30 minutos, cada aluno ganha um kit com escova de dente, lápis, borracha e livretos contando histórias da bíblia. Independente dos métodos de ensino da IWC e independente de religião, a alegria no rosto das crianças por estarem sendo lembradas compensa o trabalho. Não adianta apenas doar fundos às instituições: a parte humana, a presença física é tão importante quanto a ajuda financeira. Esta ação representa para as crianças a mensagem de que “nós estamos aqui e sabemos que vocês existem”. Ainda que seja uma medida isolada, este ato anual pode ajudar a diminuir a marginalidade da população suburbana. Radicais ou não, os World Changers fazem sua parte.

Massarandupió – BA: paraíso naturista

Existem controvérsias quanto à origem da palavra “Massarandupió”. Alguns afirmam que uma tribo já extinta de índios conhecidos como Massarandupiós deu nome ao povoado. Outros contam que havia na região um tipo de árvore denominada maçaranduba, cujo fruto não era de qualidade e, portanto, passaram a chamá-la “maçaranduba pior”, que transformou-se em massarandupió, e assim foi nomeado o distrito.

Massarandupió é um pequeno povoado pertencente ao município de Entre Rios. Sua entrada está localizada no km 88 da Linha Verde, rodovia que liga Salvador a Aracaju, e deve-se seguir mais 5 km de estrada de terra até o início da vila. A fama de Massarandupió se dá pelas suas belezas naturais: rio, dunas alvíssimas, coqueiros e a praia ampla, com uma área reservada para o naturismo.

A sensação que se tem, logo que se chega à vila, é de paz. Mais adiante, a paisagem da praia deserta unida ao rio e dunas é extasiante. O melhor é que tudo isto pode ser desfrutado em meio à tranqüilidade de um lugar em que os autóctones são um espelho da paisagem: sossegados, pacíficos. O distrito é o tipo de lugar onde as crianças se juntam e fazem “pedágio” na pequena ponte sobre um riacho a caminho da praia, a fim de arrecadar fundos para a festa de Dia das Crianças. Um lugar onde os moradores se reúnem para fazer samba-de-roda e onde os cães correm latindo atrás dos carros; lugar onde “seu Zé”, um senhor muito simpático, dono de um bar próximo à entrada principal da praia, permite que os turistas acampem em seu terreno, sem lhes cobrar absolutamente nada.

Massarandupió está dentro da ZPR (Zona de Proteção Ambiental Rigorosa) da APA do Litoral Norte da Bahia. Ademais, o local é área de desova de tartarugas marinhas, o que implica na proibição do tráfego de veículos e iluminação na praia. O Projeto TAMAR acompanha os ninhos existentes e o nascimento das tartarugas. Quando há crianças na praia, os integrantes do projeto incentivam-nas a colaborar com o processo de auxiliar os filhotes a chegarem ao mar, o que estimula, desde cedo, a consciência ecológica da população.

A praia localiza-se a 2 quilômetros de estrada de terra de distância da vila. Seus 8 km de extensão dividem-se, por uma simples placa fincada na areia, em praia naturista e não-naturista. Entre as duas fileiras de dunas, está o rio Massarandupió, de águas mornas e ferruginosas.

A praia naturista de Massarandupió foi fundada em 1995 e reconhecida pelas autoridades em 1997. Estende-se por 2 km e, nos primeiros 200 metros, as mulheres podem permanecer de topless. Os homens, no entanto, devem despir-se completamente desde a entrada na praia. A maioria dos freqüentadores são famílias e casais de idades variadas e os únicos vestidos no local são os garçons e garçonetes das barracas. Homens desacompanhados não entram, porém para as mulheres não há restrições. O rio, situado logo atrás da primeira fileira de dunas, é também aproveitado para o naturismo (dentro dos limites da reserva naturista). Deve-se estar atento ao fato de que o estacionamento da reserva naturista não faz parte da área de nudismo.

A chegada do naturismo a Massarandupió fez crescer consideravelmente o número de turistas no povoado - até então praticamente desconhecido – e de serviços, conseqüentemente, tais como alimentação e alojamento. O ápice do movimento acontece no verão. Nessa época do ano, ocorrem várias atividades organizadas, como luais e o Reveillon, dos quais todos participam nus. Outros eventos que ocorrem no distrito são a festa de Dia das Crianças, 7 de Setembro (Fanfarra de Massarandupió), Festa de Reis, Lavagem da Igreja, Semana do Meio Ambiente e o Carnaval.

Apesar da novidade naturista para o pessoal de “mente aberta”, Massarandupió não sofre os impactos do turismo de massa, o que conserva o seu charme. O povoado permanece tranqüilo ao longo do ano, pois mesmo o movimento no verão ainda não é suficiente para incomodar quem o visita e quem ali vive. Isto se deve à falta de divulgação e à falta de estrutura do distrito, que, apesar de contribuir para que a essência do lugar não seja modificada, também tem seu lado negativo: não há variedade de serviços, apesar de eles terem se expandido com a chegada do naturismo; não existem campings no povoado – os turistas são obrigados a fazer as necessidades biológicas na natureza. É possível dirigir-se à praia naturista, num fim de semana qualquer e, às 16h, não encontrar um tiragosto sequer nas barracas. Além disso, nas barracas da praia não-naturista, não há sanitários, apenas mictórios. Massarandupió tampouco apresenta qualquer vida noturna: a população permanece em casa assistindo a novelas, as ruas são muito mal iluminadas e só se vê uns poucos habitantes do sexo masculino jogando sinuca e bebendo nos botecos.

Os habitantes de Massarandupió são muito bem organizados. A ADAM – Associação das Artesãs de Massarandupió – trabalha com encomendas para localidades próximas e também para o exterior (Frankfurt). Dentro da vila, funciona um stand para vendas a turistas. A maior demanda é a de encomendas, e as bolsas coloridas de palha são o produto mais vendido.

É interessante observar também o seu engajamento social e sua preocupação com o meio ambiente. Um exemplo disto é a ponte onde as crianças cobram “pedágio”: ela foi construída estreita para que nenhum ônibus de turismo possa chegar até a praia, dificultando, assim, o turismo de massa.

Outro grande exemplo da preocupação social da população é a AMAM – Associação dos Moradores e Amigos de Massarandupió. São realizadas reuniões para verificar as necessidades dos habitantes (educação, conservação ambiental etc) e suas propostas e reivindicações são encaminhadas ao poder público. A associação tem obtido resultados satisfatórios. A escolinha primária, por exemplo, é fruto de suas iniciativas.

Não obstante alguns pormenores já mencionados, Massarandupió é uma localidade digna de ser visitada. Ali, é possível aprender com os exemplos da comunidade e esquecer-se do mundo, pois não há preocupações com violência, horários e filas. “Massarandumelhó” é a prova de que não existe nada mais adequado para curar o estresse do que a terapia energizante da natureza.

Carnaval em Rio de Contas - BA

Rio de Contas, cidade mais antiga e também limite sul da Chapada Diamantina, começou a ser construída em 1723, após a descoberta do ouro na região. Seu patrimônio é bem conservado e 287 prédios são tombados pelo IPHAN, dentre eles o Teatro São Carlos - único da chapada. A natureza ao redor permite a realização de belos passeios por cachoeiras, trilhas, picos e comunidades.

Primeira cidade da chapada, Rio de Contas parece ter parado no tempo. Ali o turismo não se desenvolveu como nas cidades de Lençóis, Mucugê e seus arredores. Em Rio de Contas e em seu entorno, é possível bater um bom papo com os moradores e comer pratos deliciosos a preços baixos. Quem faz o passeio do Poço das Andorinhas, por exemplo - e, após passar por vilarejos pitorescos como Casas de Telha e Boa Vista, chega a Arapiranga - pode ter o prazer de almoçar dentro da casa de uma família e conhecer melhor seus hábitos. Ainda não existem a ganância e a indiferença trazidas, muitas vezes, pela atividade turística intensa. Os sorrisos são sinceros, não apenas estimulados por interesses comerciais.

No carnaval, essa tranqüilidade é quebrada, em função da quantidade de pessoas que visitam Rio de Contas. É previsível que, uma vez que o turismo não é tão forte no município, ele tenha um teor amador, e isto se acentua durante o período do carnaval. Faltam guias para acompanhar a demanda e as agências e guias de turismo não cumprem os horários combinados, devido ao grande número de passeios que se comprometem a realizar. Os pontos turísticos de acesso mais fácil, tais como a Cachoeira do Fraga e a Ponte do Coronel, ficam superlotados e repletos de poluição sonora. Ao menos, uma atitude louvável foi tomada: existem fiscais que recolhem o lixo das pessoas e não permitem que elas desçam à cachoeira com garrafas e latas.

A poluição sonora é sentida também dentro da cidade, pois em cada esquina há grupos de jovens e adolescentes, estudantes de cidades próximas, que alugam casas e passam o dia dançando ao som altíssimo dos seus carros ou das caixas de som que instalam sobre a própria calçada. Não há como evitar o barulho, pois eles realmente estão por toda a parte. A quem viaja para Rio de Contas com a intenção de desfrutar o sossego da cidade e os passeios turísticos ao redor, esse feriado não é aconselhável.

A partir da tarde, começa o carnaval rio contense, marcado por festa à fantasia, desfiles e concursos de máscaras e bonecos, baile infantil, desfile de baianas (do qual qualquer turista pode fazer parte) e shows nos dois palcos instalados na praça da matriz. Quem pensa que no carnaval de Rio de Contas só se escutam marchinhas está enganado: a festa é uma mistura de ritmos. No palco principal, a folia ocorre ao som de hits como “Rebolation” e “Lobo Mau (vou te comer)”. Já no palco alternativo, para os saudosistas, várias bandas de qualidade da cidade e da região tocam marchinhas e jovens e adultos vibram, fazem “trenzinho” e brincam ao som de um carnaval já quase esquecido nesse Brasil.

A festa é bonita, as pessoas têm o hábito de se fantasiar e não se vê uma briga. Há muitas famílias com crianças, casais e jovens solteiros. Apesar do tumulto e das dificuldades já mencionadas, vale a pena que cada um confira o carnaval de Rio de Contas e tire suas próprias conclusões.